quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Demorei-me nas tuas mãos medonhas e,
gigantes,
cravei as tuas unhas meticulosamente afiadas
no tenro naco da minha carne.
O tímido demónio que te suga
doravante aparará a queda dos meus seios
no sinistro chicotear que me chama
ao corredor bruto do teu punho cerrado
como um anjo desnudado que se suicida
numa pira de repulsa infernal á teimosia
da minha castidade ímpar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Fome

Nunca extinguiste a minha fome.
Nem as minhas insónias.
Antes as alimentaste.
As minhas insónias
que a fome nunca extinguiste.

Presumo que ignores o burburinho do meu vazio.
Nada são os gomos que me dás,
a mísera esmola que me deixas sempre que vens,
nunca quando te espero.

Sento-me á mesa muitas vezes
e converso com os pratos vazios,
bebendo vinho branco
sem receio da esquizofrenia á hora das refeições
como se a fuga deliberada de um apetite mutilado
me equilibrasse quando me remexo
na gravidade inerte da nossa casa solitária.

Que é do fruto sagrado que me prometeste inutilmente´um dia...
Para onde migraram as palavras doces com laivos de poesia...
Sabias me faminta e,
sem pingo de misericórdia,
enganaste o meu paladar.
Mas eu nunca te pedi nada do tanto que queria
senão que não me abandonasses nos campos inférteis,
nas planícies mal lavradas.

Nunca extinguiste a minha fome,
a única condição que te impus humildemente
e,
toda a sede de te adorar esgotou-se.
Como um campo em pousio que ás mãos do lavrador
não lembrou jamais.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010


Partimos lado a lado percorrendo corredores nos vagões desgovernados das emoções,
flutuando em marés viciadas,em faustosos jardins de espinhos.
Nos ramos desnudados,um ninho alheio determinava o pulsar fantasma dos desejos
e os suspiros contidos no cofre dos segredos maiores por se ter entregue a morte
as nossas vidas.
Sem leis,
de olhos pregados ao caixão dos propósitos impostos,
fomos cumprindo todas elas,exibindo um orgulho estupidamente vital.
Tropeçámos na esperança e trocámos uma mão de ajuda na nossa queda medíocre
brindada com aplausos diabólicos na orquestra irónica das mãos da inveja e do mal,
desertas e indiferentes.
Qualquer gesto discreto na montanha russa dos nossos passos nos teria ensinado a sorrir,
a sentir de outra forma mais sábia o que não queríamos por querer tanto,
esta dádiva que nos foi vedada sem culpa ou desculpa em todos os apeadeiros,
em todos os colos e confessionários...
Sem afastamento porém,
lançando moedas da sorte esquecidas nos bolsos,
desejando de uma forma tão própria o cruzamento idílico do impossível.