domingo, 27 de julho de 2008

Adeus.


Juntei as peças e desci vagarosamente aqueles degraus largos do velho edifício onde durante tantos dias a minha existência ganhava uma nova vida.
Foi assim de cada vez que eu transpunha aquela porta de cor desgasta pelo sol e,no sentido inverso ao de hoje, subia em velocidade precisamente oposta até ao ultimo andar.
Lembras-te de como davas conta da minha chegada sem o toque insistente da campainha quase muda ou do som das minhas mãos sobre a porta de madeira?
...O relógio...
...A hora marcada pela tolice da rotina inevitavel das nossas responsabilidades diárias...
Uma esquecida porta entreaberta para todos os outros, a porta aberta ao teu mundo só para mim.

Entrei,como sempre,outro sentido não faria, e esgueirei me com um silencio que julguei não estarem ao alcance das minhas sandálias de salto alto ate a varanda onde costumavas esperar pela minha chegada, onde sempre te encontrava a matar o vicio num cigarro já quase apagado.
Lá em baixo uma cidade em hora de ponta, as buzinadelas impacientes, um corropio de gente ,uma réstia de sol no horizonte...
Lembras-te de como ficávamos abraçados, indiferentes a qualquer coisa que não merecesse a nossa atenção?
E assim nós, só nos dois,um só em tempos,trocávamos um beijo demorado como se não houvesse mais amanha, como se este fosse o ultimo porem não menos especial que todos os outros...
Lembro ate mesmo do sabor que o teu beijo deixava ao sabor dos meus lábios, aquele sabor a pouco porque todos os teus beijos jamais seriam demais...

E, mergulhada neste torpor de pensamentos encostei me á parede e deixei que o meu corpo fraco deslizasse por ela ate sentir o frio daquele chão sujo de passos alheios atravessar me impiedosamente a alma ainda combalida de tantos Invernos mais.Estou tristemente habituada para manchar mais um dia de lágrimas!Em vez disso cruzo os braços e aperto os contra os meus e abraço me num abraço que espero ser reconfortante.
Espreito o relógio...
Apesar de tarde, ainda é cedo...
Aprendi a não me importar com o tempo, a não viver atrás do rasto de minutos que podem parecer horas, de horas que parecem segundos, de segundos que parecem ser a eternidade.Tenho todo o tempo mas o nosso tempo esgotou se e eu estou a esgotar me no tanto que restou dele.
Eu! Não a minha vida, nem os meus sonhos.Oiço ainda as batidas de um coração que, apesar de teu, indubitavelmente pertencer-me-á para sempre e aproveitando a rara lucidez dos últimos dias levanto me ainda meia cambaleante em direcção ao mundo do qual nunca, em circunstancia alguma eu vou deixar de ser parte.
Vislumbro ao fundo do corredor um bâton que não me pertence... Esquecidos,talvez, uns sapatos vermelhos captam a minha atenção pelo contraste sobre o longo tapete preto que tambem eu tantas vezes percorri descalça... Sinto a presença de outra presença...
Viro as costas.
Fecho a porta e num murmúrio resignado digo apenas "Adeus!"