terça-feira, 12 de outubro de 2010

Pus o meu sonho num navio


Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.


Cecília Meireles

sexta-feira, 24 de setembro de 2010

A hora do cansaço

As coisas que amamos,
as pessoas que amamos
são eternas até certo ponto.
Duram o infinito variável
no limite de nosso poder
de respirar a eternidade.

Pensá-las é pensar que não acabam nunca,
dar-lhes moldura de granito.
De outra matéria se tornam, absoluta,
numa outra (maior) realidade.

Começam a esmaecer quando nos cansamos,
e todos nós cansamos, por um outro itinerário,
de aspirar a resina do eterno.
Já não pretendemos que sejam imperecíveis.
Restituímos cada ser e coisa à condição precária,
rebaixamos o amor ao estado de utilidade.

Do sonho de eterno fica esse gosto ocre
na boca ou na mente, sei lá, talvez no ar.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010


Só existem duas formas de descrever o vazio...deixando em branco todas as folhas ou gastando em vão todas as palavras.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

'Já é noite, o frio está em tudo o que se vê
lá fora ninguém sabe que por dentro há vazio
porque em todos há um espaço que por medo não se deu
onde a ilusão se esquece do que o medo não previu.

Já é noite o chão é mais terra pra nascer
a água vem escorrendo entre as mãos a percorrer
todo o espaço entre a sombra entre o espaço que restou
para refazer na vida no que o medo não matou...'


Tiago Bettencourt - O lugar

quarta-feira, 23 de junho de 2010




Os meus pensamentos,noctívagos,atropelam a escuridão.
Não há forma alguma de conciliar o sono quando tudo o que se escuta são os ruídos destes embates tardios na mente.
Ás vezes silencio...
Outras,vozes...
Ecos de outras eras que revejo ,vezes sem conta,em câmara lenta,
querendo viver de novo,
sorrir de novo,
sentir de novo...
Há em mim a pressa de voltar a um lugar qualquer onde ainda esteja de quem eu me perdi,
para que eu possa encontrar
quem de mim se perdeu.

Enjoy the Silence

segunda-feira, 14 de junho de 2010


Encontrei-a só, quase despojada de vida.
Jazia na berma de um sincronizado e atrevido pulso que lhe invadia de sangue e tingia de rubor a palidez imaculada que sempre lhe vira estampada no rosto.
Encontrei-a ali,quase asfixiada por um corpo moribundo de cujas órbitas desabitadas,velhas tormentas expeliam um maremoto de lágrimas que,de outra forma,não teriam sabido escapar.
Éramos apenas nós sobre o negro cerrado que espreitava por entre a copa frondosa das árvores e o silencio sepulcral da selva á hora da sesta,por isso,estranhei-lhe a desordem nos cabelos num dia macambúzio e quieto,sem brisa nem vento.
Nela sempre existira uma certa vaidade...A simetria nos detalhes,o risco ao meio numa linha perfeitamente recta...Achei então por bem devolver á antiga glória os desgrenhados fios capilares que se estendiam diante das minhas mãos e,desafogadamente,ajeitei-os.
Foi quando,do fundo de um momento de azáfama tão raro,tão meu,ela se erguia desenhando nos lábios apagados o mais frívolo e volúvel sorriso,desferindo-me no ego uma colossal e ilógica exasperação que punha a nú tudo o que julgava saber de mim...

To be continued

quarta-feira, 28 de abril de 2010




Salvador Dalí - Sonho Causado Pelo Vôo de Uma Abelha em Volta de Uma Romã, Um Segundo Antes do Despertar

sexta-feira, 23 de abril de 2010

You are welcome to elsinore

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte,violar-nos,
tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo.
Entre nós e as palavras há perfis ardentes,
espaços cheios de gente de costas,
altas flores venenosas,portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício.

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição.
Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor.
E há palavras nocturnas palavras gemidos,
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

Mário Cesariny

sexta-feira, 26 de março de 2010

If our world...


If our world has nightward turned,
I shall ask the shuttered doors
For all that has been burned
In the fire of the silent hours.

The shadows now surrounding
Reply with distant echoes,
Muted voices igniting
The pain that,like water,flows

We harbour this illusion
Tides of invisible sea,
Grown lonely as it darkens
In this night that none can see.

The secrets of tears and hours
Where waves and rock are churned
Where once a country perished
If our world has nightward turned.

in'DRAMA BOX'

quinta-feira, 25 de março de 2010


Somos feitos de cinza
quando o pano negro do firmamento cai sobre o fulgor desmaiado dos dias.
Feitos de lava e suor
quando o vulcão mortífero ceifa,em êxtase,
a avidez indomável das horas eternamente efémeras
em que a constância de ambos os passos se sustiveram
e a infinidade dos sentidos se inspiraram e expiraram.
Mas é só quando a ebulição sádica onde sacrificámos a perversão do espírito
se fragmenta e adormece,que colidimos com o vazio e nos tornamos o abismo
quando tudo o que fica,fica deserto.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Divagações II

Durmo nas noites claras,nas dormentes insónias litigiosas que me desassossegam os meandros da consciência.
Estou sem paciência para ser conveniente e as beatas acumulam-se,uma a uma,nas bordas sujas de um cinzeiro roubado por nada numa casa de putas onde se vendiam,comprando,um bando de desgraçados a cheirar a perfume caro.
Afogo os pensamentos no canto de outras eras,no início de um século que findou,nas cigarrilhas,nos cabarets. Ah charme luxurioso que só meia dúzia de mulheres traz hoje impregnado na pele que a sensualidade não se adquire como se adquire meio quilo de peito ou uma peça de roupa em saldos.
Mas eu gosto de deambular pelas ruas labirínticas da vida e rir,sem culpa,do desfile caótica de tais camelos,da dança vaidosa e tortuosa dos saltos altos na calçada gasta.
Gosto de navegar á deriva neste rio sem leito e sem curso e encontra-los á beira de charcos saciando a mediocridade em caravanas zombies de onde medram superficialidades colectivas e as rugas áridas sufocam debaixo de uma camada pastosa de vergonha.
Tais embaraços que são face aos intelectos subdesenvolvidos,diante dos imperativos da vida adiados em pontos de interrogação sem retorno amotinados no consumismo a que vendem as almas sem identidade,os eus indefinidos á procura do próprio espírito nos convenientes pergaminhos ancestrais diluídos em Toras,Corões e Bíblias que Deus,Esse,tem bem mais que fazer.
Ópio legal,valha-nos isso,miragens...
Adiante que chego já a estar confusa com este aglomerado de palavras que nada disseram de útil ou que, na sua inutilidade incontestável,a quem não sabe ao que escrevo,não interessam de todo.
Críticas...
Ainda assim criei á volta do meu ocioso ser uma azáfama de papel e rascunhos amontoados na minha secretária poeirenta que as críticas,essas,também se ensaiam.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Sublinham-se afectos remotos na clarividência das entrelinhas
onde as dissidências da linguagem repousam e delas
fazem berço as palavras que derivam do que sente e não se sabe dizer.
Reinventam-se então,á toa, metáforas circunstanciais,
comparações tresloucadas sobre o núcleo secreto que não se revela e
todos estranham,ficando preso a nós o âmago singular desta ebulição constante,
intacta e íntegra.
Nenhum poema é inútil ou estéril porém...
Nem sílaba alguma é oca ou seca desde que exista um propósito que os versos,conhecendo,não sabem personificar.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

' Há sempre uma pequena chama que permanece acesa,
um foco que sobrevive e morre
consumindo-se a si e em si
quando o maior fôlego do fogo se extingue...'

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Que paz

Passeio os olhos mortiços ao longo do mar salgado onde bóiam cadáveres fantasmas na espuma das ondas negras e duas gaivotas bicam,famintas,o espelho sanguinário da minha batalha
revolvendo estilhaços inertes ancorados as rochas.
Passo indiferente á névoa claustrofóbica que vigia o horizonte onde se adivinham anjos negros entoando elegias,rindo da naufraga bandeira branca amordaçada nos corais cristalinos das águas turvas.
Cega,passo a pé,sem pressa,pelos túmulos remexidos,
pelo cemitério das velhas embarcações que emergem,
imponentes,
dos grãos da areia escarlate,
como livros que contam lendas de heróis e conquistadores e,
lanço ao halo do meu tornado interno,perguntas trágicas,
indiferente ás balas que acariciam o corpo profanado da minha guerreira adormecida.
Aqui,no entanto,o vento cruel,rejeita pontos de interrogação,
qualquer resposta,
qualquer som brusco que irrompa fatalmente o sepulcral silencio da paz.
Enclausurada,vejo estender-se a meus pés a calmaria aparente e prossigo,
despojada de espírito,
sem destino,
sem uma única vaga de liberdade que me permita enfim,soltar o grito de socorro que agoniza algemado a rouquidão terminal das minhas cordas vocais contorcidas e mudas.
Paz...
QUE PAZ

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010


Life is a tragedy for those who feel, and a comedy for those who think.

La Bruyere

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010



É na névoa do inverno,
quando a chuva alaga as estradas do mundo deserto
que a tua ausência mais me dói
reavivando impiedosamente a ferida sufocante de quando não estás,
essa ferida que adormece e acorda
sempre que chegas e partes,
que não sara nem cura e abandona,
nas mãos da mais tirana saudade,
a visão delícia dos corpos exaustos que ainda ontem,
a esta hora,
se incendiaram e extinguiram.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Oiço passos ao anoitecer,
sinto o corpo estremecer
no calor da escuridão.
Estão fantasias despertas,
as minhas chagas abertas
no negro colo da solidão.

E estes versos que escrevo
são destas quimeras perdidas
as tormentas esquecidas
do amor que não vem,
por medos incertos,
em poemas dispersos,
que há muito não lê ninguém.

Não sei por quem sinto então este ciúme,
por quem o queixume
que pulsa em cada veia,
se nos braços do amanhecer,
sinto a chama desvanecer
na paixão que não se ateia.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Tudo é foi

Fecho os olhos por instantes.
Abro os olhos novamente.
Neste abrir e fechar de olhos
já todo o mundo é diferente.

Já outro ar me rodeia,
outros lábios o respiram,
outros 'aléns ' se tingiram
de outro sol que os incendeia.

Outras árvores se floriram,
outro vento as despenteia,
outras ondas invadiram
outros recantos de areia.

Momento,tempo esgotado,
fluidez sem transparência.
Presença,espectro da ausência,
cadáver desenterrado.

Combustão perene e fria.
Corpo que a arder arrefece.
Incandescência sombria.
Tudo é foi. Nada acontece.


António Gedeão - in Poesias Completas

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Reflexões




Não há maior dor do que a que habita em segredo todo o espaço da alma,
toda a área do coração e que ocupa a casa dos pensamentos
e os terrenos pantanosos da vida.
Não há então maior ferida que esta multidão agitada e inquisidora que não se revela nem manifesta mais por deliberada ignorância e condescendência do egoísmo humano
do que por vergonha de quem nela encontra o derradeiro sinónimo da palavra tristeza.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Demorei-me nas tuas mãos medonhas e,
gigantes,
cravei as tuas unhas meticulosamente afiadas
no tenro naco da minha carne.
O tímido demónio que te suga
doravante aparará a queda dos meus seios
no sinistro chicotear que me chama
ao corredor bruto do teu punho cerrado
como um anjo desnudado que se suicida
numa pira de repulsa infernal á teimosia
da minha castidade ímpar.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Fome

Nunca extinguiste a minha fome.
Nem as minhas insónias.
Antes as alimentaste.
As minhas insónias
que a fome nunca extinguiste.

Presumo que ignores o burburinho do meu vazio.
Nada são os gomos que me dás,
a mísera esmola que me deixas sempre que vens,
nunca quando te espero.

Sento-me á mesa muitas vezes
e converso com os pratos vazios,
bebendo vinho branco
sem receio da esquizofrenia á hora das refeições
como se a fuga deliberada de um apetite mutilado
me equilibrasse quando me remexo
na gravidade inerte da nossa casa solitária.

Que é do fruto sagrado que me prometeste inutilmente´um dia...
Para onde migraram as palavras doces com laivos de poesia...
Sabias me faminta e,
sem pingo de misericórdia,
enganaste o meu paladar.
Mas eu nunca te pedi nada do tanto que queria
senão que não me abandonasses nos campos inférteis,
nas planícies mal lavradas.

Nunca extinguiste a minha fome,
a única condição que te impus humildemente
e,
toda a sede de te adorar esgotou-se.
Como um campo em pousio que ás mãos do lavrador
não lembrou jamais.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010


Partimos lado a lado percorrendo corredores nos vagões desgovernados das emoções,
flutuando em marés viciadas,em faustosos jardins de espinhos.
Nos ramos desnudados,um ninho alheio determinava o pulsar fantasma dos desejos
e os suspiros contidos no cofre dos segredos maiores por se ter entregue a morte
as nossas vidas.
Sem leis,
de olhos pregados ao caixão dos propósitos impostos,
fomos cumprindo todas elas,exibindo um orgulho estupidamente vital.
Tropeçámos na esperança e trocámos uma mão de ajuda na nossa queda medíocre
brindada com aplausos diabólicos na orquestra irónica das mãos da inveja e do mal,
desertas e indiferentes.
Qualquer gesto discreto na montanha russa dos nossos passos nos teria ensinado a sorrir,
a sentir de outra forma mais sábia o que não queríamos por querer tanto,
esta dádiva que nos foi vedada sem culpa ou desculpa em todos os apeadeiros,
em todos os colos e confessionários...
Sem afastamento porém,
lançando moedas da sorte esquecidas nos bolsos,
desejando de uma forma tão própria o cruzamento idílico do impossível.